Cotidiano | O descobrimento

Ele estava parado frente ao espelho olhando para a barba por fazer, pensando em quão mediano ele era. Nas dificuldades da vida passada, das poucas mulheres que teve o deleite de se deitar, dos malabarismos que aprendeu ao longo da vida a fim de se encaixar nas necessidades do dia-a-dia. Se arrumava para mais uma noite de bares com os amigos. Estava pronto.

Vestido com sua camisa branca com mangas dobradas 3/4, ajustada ao corpo, exibindo seus músculos saltados; calça jeans claro; sapato escuro. Seu perfume não era extravagante, quase despercebido. Seus cabelos sob a proteção de pomada estava penteado para trás. Com essa aparência, sua beleza melhorava alguns porcentos.
Parado na calçada, esperava o Uber que chamara.
- Rua João Vicente, 10, no Centro - confirmou para o motorista.
- Certo.
Era um bar aconchegante. Um bar-restaurante, na verdade. Naquele dia eles iriam beber uma cerveja, beliscar algumas entradas e depois pretendiam comer uma massa especialidade da casa. Teria um som ao vivo, um jazz instrumental. Totalmente favorável para amores desconhecidos. Ao descer do Uber escutara o som de Miles Davis. A banda ainda não começara.




Entrou e avistou dois de seus amigos que se reuniriam. Estavam no balcão do bar, já bebiam uma Heineken.
- Senhores...
A algazarra ainda não tinha começado. Bastaria mais algumas cervejas e, quem sabe, uma tequila antes do jantar. O objetivo da reunião era exclusivamente a diversão e o sexo no final da madrugada. 
Faltavam mais dois amigos para completarem a mesa. A noite ainda não estava animada no restaurante; poucos homens e mulheres. Era cedo.
Seus amigos chegaram e o ambiente foi lotando com o passar das horas. Àquele tempo eles já estavam mais sobre o efeito do álcool e a coragem pulsava nas têmporas. Entre encontros e cumprimentos despercebidos, seus olhares cruzaram e desviaram. Poderia ser apenas mais um encontro de milésimos. Mas ele voltou o olhar e se deteve nela.
Ela bebia um vinho branco ao lado de mais duas amigas. Era linda. Transmitia poder em sua postura de mulher independente. E parecia gostar de submeter os homens à suas vontades. Se atiçou e ficou transparentemente eufórico por aquele achado. Ela não retornou seu olhar. Pediu licença aos seus amigos e ali mesmo já se despediu, antes até de pedirem o jantar. Já não era mais apropriado para os seus desejos.
Em ímpeto de coragem, se dirigiu à ela.
- Boa noite, senhoras.
As três o olharam lentamente. Avaliando. Àquele passo a banda tocava Dave Brubeck.




- Boa noite, senhor... Esperando pelo seu nome. Não foi ela que falou, uma de suas amigas parecia mais interessada.
- Francisco. Passa chamá-las de...?
- Eu sou Patrícia, essa é Carla e ela é... Ela estendeu a mão e pronunciou seu nome com delicadeza. Aproveitando para perguntar o seu interesse em abordá-las. Tentou moldar suas palavras, criando um estereótipo de que era um homem inteligente. Depois de alguns rodeios frasais, ela o interrompeu e perguntou se poderia conversar em particular. Suas amigas se assustaram, mesmo sabendo do que ela era capaz. Cessou todas as chances das outras amigas com ele.
- Claro. Respondeu ele menos corajoso e mais submisso.
Eles foram para uma mesa mais afastada no bar. Ela sentou, depois ele.
- Vamos evitar esse início manso. Vi que você me olhava, pareceu se interessar por mim. Me interessei por você, quero saber do que é capaz. Você quer transar, eu quero transar. Vamos nos provar então.
Ele estava com a cara de prazer por conhecer uma mulher daquele jeito. Fora naquele momento que ele se apaixonou. Mesmo antes de ver, provar e gozar seu corpo.
Ela levantou, fazendo-o segui-la. Chamaram um Uber e foram para a casa dela. Nem ao menos se beijaram no carro. Desceram. Entraram e ela fechou a porta.
- Me bata! Ela queria conquistá-lo. Queria mostrar suas habilidades nas próximas transas. Ele obedeceu e gravou seu nome: Clarice.